7 de julho de 2009

Sobre a memória

E se a cada coisa que a gente aprendesse ou memorizasse, a gente tivesse que esquecer uma coisa antiga? Faria sentido, afinal embora nosso cérebro não não pare de crescer, tenho certeza que eu vejo e aprendo mais coisas do que cabem na minha cabeça.

Mas e se a gente for esquecendo as coisas numa ordem cronológica? Eu não me lembro de muita coisa que aconteceu quando eu era pequeno, então talvez seja assim mesmo que funcione. Eu não me lembro de ter nascido, mamado, usado fralda, de tomar vacina de gotinha, comprar meu primeiro tênis, não lembro de ter posado pro monte de fotos em que apareço (embora eu recrie situações pra elas e assuma que são memórias) nem de ter dito aquele monte de espertezas que me contaram que eu dizia quando era criança. Lembro de ter xingado minha professora do maternal, mas só porque eu vivo contando essa história, e não me espantaria se um dia eu a esquecesse também.

Então eu me pergunto: quando é que esquecerei este ano? Matematicamente: se a época mais antiga da qual me lembro com alguma clareza é o ano de 1991, isso quer dizer que até hoje eu já esqueci praticamente tudo entre 1984 e 1990. Lembro só dos últimos 18 anos, e isso porque meu cérebro é jovem, tem só 24. O que significa que só me lembro só dos últimos 3/4 da minha vida. Na melhor das hipóteses, se eu exercitar minha mente com palavras cruzadas e sudoku pra não deixar que ela atrofie, vou continuar lembrando 3/4 da minha vida pra sempre, e assim esquecerei o 24˚ ano quando estiver com 72.

E tudo o que eu vivi até hoje será substituído por coisas que eu aprendi ou decorei, dará lugar a informações e momentos importantes mas também a listas de compras, nomes de pessoas, números de telefone, modelos de computador, endereços de sites, títulos de livros, letras de música, programas de TV, citações de filmes, especificações técnicas de equipamentos, sabores de frutas novas, perfumes de coisas e lugares e cabelos novos, paisagens de países novos, regras de jogos, preços, juros, fofocas, cantadas, piadas, conselhos, verdades, mentiras, confissões, rancores, perdões, e-tickets, aniversário de filhos, aniversário de netos, números novos de documentos novos, nomes de remédios e horários para tomá-los, top 5s que não me servirão mais pra nada, senhas de contas de banco, protocolos de atendimento, instruções de funcionamento de máquinas de lavar ou de sacar dinheiro, sensações de ter esquecido algo, déjà vues, tarefas acabadas, tarefas inacabadas e mais um sem-número de coisas.

Por isso, quando estiver chegando aos 72 - ou quem sabe um pouco antes, por precaução - vou começar a separar, como quem escolhe feijão, as coisas que eu posso esquecer. E as coisas novas, essas eu nem vou registrar.

Pra não correr o risco de esquecer aquele dia.

5 comentários:

  1. Adorei o texto. Acho que deviamos vir de fabrica com botão delete no nosso cérebro. Assim apagariamos muita coisa que não tem interesse e só deixariamos as memorias que valem a pena.

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  2. Eu nunca esqueci o dia que tomei a vacina da gotinha nem o dia que dei o primeiro laço do tênis sozinha... Adorei!

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  3. É porque você ainda é jovem, não começou a esquecer as coisas... ;)

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  4. isso me lembra um episodio do mushishi.

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  5. Mas mal consigo me aguentar de ansiedade pra esquecer 2008 e 2009

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